Tuesday, January 02, 2007

«O hip-hop é uma escola musical»




Arikson tinha 14 anos quando a guerra o fez deixar a Guiné. Veio viver com a tia, na Quinta da Serra, no Prior Velho e, sete anos passados, continua a não ter visto de residência em Portugal. Largou a escola no 10º ano porque «uma pessoa para estudar tem de ter mesmo um bom apoio. A minha tia ajuda-me muito mas não consegue ajudar em tudo…». Às vezes ocupa-se em trabalhos precários, um mês aqui, outro ali. Mas o hip-hop é o modo que o Arikson – mais conhecido como Matraca AFG – encontrou para se exprimir. Cassetes com temas seus circulam pelo bairro entre os miúdos e os jovens que conhecem as letras que escreve – e escreve muito – e a que dá música. Há dois anos actuou sozinho na Festa de Natal mas este ano trouxe companhia: a dos membros do Império Suburbano que, entretanto, passou a integrar. No final houve alguns assobios que justificam agora a falta de à vontade dos músicos virem ao bairro para dar uma entrevista ao «A Voz da Quinta».
- Como começaste?
- Comecei a fazer hip-hop em 2001, cá, no Prior Velho. Escrevia sempre sozinho. Não tinha grupo nem amigos. Sempre fui sozinho. Fui evoluindo e consegui arranjar amigos e mais criação e produção no hip-hop. Foram os jovens da Quinta do Mocho que criaram o «Império Suburbano». Mas isso não significa que o «Império Suburbano» seja só para os jovens de lá. É para todo o pessoal que seja suburbano, seja do Prior Velho, da Apelação. De Loures…
- Quando vocês actuaram na festa do Natal da Quinta da Serra ouve alguns assobios. Como é que vocês lidam com a rivalidade entre bairros vizinhos?
- Nós que fazemos hip hop não andamos nestas coisas. Estamos livres dessas coisas. Gostamos de apoiar quem canta e quem gosta de trabalhar, que mostra aquilo que sabe e quer divulgar o que tem de bom.
- Escolheram as palavras e a música para dizerem o que pensam e rejeitar a violência?
- Exactamente. E não só. Também para tentar puxar algumas pessoas para o hip-hop, em vez de irem por outro caminho, de maldade, de marginalidade. Para serem mais positivos, para criar coisas boas.
- Uma das vossas letras diz: «Se queres mudar o mundo começa por mudar-te a ti» …
- É a «Mudança».
- Quantos são os membros do «Império Suburbano»? Ou há gente que vai aparecendo?
- É mais assim. Alguns, eu não conheço mesmo. Somos muitos.
- Vocês ensaiam ou improvisam nos concertos?
- Antes tínhamos um espaço na Quinta do Mocho mas agora não temos. Só daqui a mais um tempinho é que vamos ter um espaço aí. Estão lá a fazer umas obras.
- Vocês dão muitos concertos?
- Os nossos concertos acontecem com muita facilidade. Basta um convite. E já gravámos…
- Uma maquete?
- Sim. Mas ainda não temos editora.
- Quando é que gravaram a maquete?
- Há um mês atrás.
- Quais são os vossos temas a que as pessoas aderem mais?
- «Mudança», as pessoas gostam muito. «Keep Strong», «Let’s Get It» e o «Vidas Perdidas».
- Quem escreve as letras?
- A gente escolhe o tema e cada um escreve a sua parte em casa.
- E como é que a música é composta?
- Através do Emill, o nosso amigo cantor.
- Vocês gostavam de se profissionalizar? De viver da música?
- Eu por acaso sim. Tenho mais coisas feitas sozinho do que em grupo. Escrevo muito, música faço bastante. Tenho maquetes também.
- Onde gravas?
- No casório. Em casa dos amigos.
- Tens alguma referência ao nível do hip-hop?
- Tenho sim. Para mim, cá em Portugal é o Valete. Ele é muito underground e por isso não é muito conhecido. Comecei a ouvi-lo há três anos. Eu valorizo mais o que é português do que o inglês.
- Também cantam em crioulo?
- Também canto em crioulo da Guiné. E muito bem.
- Porque escolheste o hip hop como forma de expressão musical e não o rock ou outro qualquer?
- Porque o hip-hop me alegra.
- Deste concertos aqui no bairro?
- Só dei um, o ano passado, na Festa de Natal.
- E como é que eles conheciam as tuas letras?
- Faço as músicas num estúdio casório e passo para eles. Tenho 16 músicas que fiz para passar para as pessoas. Isto para ser mais conhecido.
- O que te inspira as escrever as tuas letras?
- A minha inspiração vem do hip-hop em si. O hip-hop me alegra, sinto-me bem com ele. E as minhas letras baseiam-se na realidade, na minha vida.
- Pensas viver em Portugal ou gostavas de voltar para a Guiné?
- Ainda não. Daqui a algum tempo. Entretanto aqui a falta de um visto de residência está a dificultar-me muito a vida.
- E que desejas tu para o teu país?
- Que tenha melhores governantes e que melhore as condições de vida, não é? Mas isto não é só para a Guiné. É para cá também.
- Sentes uma ligação a Portugal?
- Sinto. Gosto muito de cantar em português. E canto bem em português. A minha música fala de socialismo, daquilo que a gente vive.
- Quando vieste para Portugal falavas mais português ou crioulo?
- Falava mais crioulo. Não sabia mesmo falar português.
- Onde aprendeste? Na escola?
- Na escola e na rua também, com os amigos. Mas aprendi mais com o hip-hop. O hip-hop ajudou-me muito. As palavras que não percebo vou ver ao dicionário. Ajuda muito. O hip-hop também é uma escola. Uma escola musical.
- Que se pode fazer para resolver a questão da rivalidade entre bairros?
- Viver com harmonia. Respeito toda a gente. Não tenho problemas na Quinta do Mocho ou na Apelação. É bom que uma pessoa seja simples, boa pessoa.

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