Tuesday, January 30, 2007

Sentir sem esquecer as lembranças




Foto: José Costa Ramos


Shotenigga – ou Zé António – cresceu “com o pé na poça”, no bairro da Quinta da Serra. “Chegava a hora de ir para a escola e encontrava os livros todos ruídos pelos ratos”. O que viu - e ainda vê - é que o puxou, há três ou quatro anos, para as rimas e para o hip hop onde já fez dupla com o Arikson, o Matraca AFG, seu grande amigo. Emigrado em França desde 2005 ainda faz rimas mas sem a mesma inspiração... “Escrevo mas não me dá aquele feeling, aquela vontade, porque estou longe dos meus amigos”. E depois lá “o dinheiro cai”. “Não vejo lá a pobreza que conheci aqui...”.
O Zé António, que nasceu na Arrentela, viveu no bairro da Quinta da Serra antes de ser internado no colégio católico em Fátima. Após três anos lá “fechado” – como descreve – fugiu. Para ao pé da mãe e com a ajuda dela. Tinha 14 anos e o sonho de ser arquitecto – que alimentara no colégio – perdeu-o quando começou a faltar à escola e a conhecer raparigas. Ainda tentou estudar à noite mas as tentações foram mais fortes... A filha, Elsa, nasceu quando tinha apenas 18 anos.
Iniciou-se no RAP (Ritmo&Poesia) a escutar as músicas dos outros. Quando um amigo o convidou para escrever letras – tinha15 anos – começou a ensaiar e compôs a primeira canção. “ A vida é que me inspira. Não tanto a minha mas as dos outros.” Por isso gosta de observá-las e ouvi-las. “Falo com pessoas de todas as idades.”
Depois da tal primeira canção é que conheceu o Matraca AFG. Na escola começaram a trocar bits e depois produtores. Acabaram por gravar algumas músicas juntos e os rapazes do bairro gostaram. Por causa das letras. “Foi nos tempos em que a polícia vinha ao bairro arranjar sarilhos.” Ainda hoje pensa: “A polícia protege-nos mas quem nos protege da polícia?”
Quando regressa ao bairro – como fez algumas semanas em Janeiro – vai adiando a partida, aliciado pelas amizades antigas e pelo free style. “Quando venho e encontro o Arikson fazemos free style e convida-me para fazer rimas. Vou sentindo os sentimentos sem esquecer as lembranças””
Para o Shotenigga o Valete é a referência do “hip hop tuga”. Gosta dele por causa do realismo e do flow, a sua maneira de expandir a voz. “Sai-lhe como se a pobreza se entranhasse toda na cabeça de quem escuta.” Também gosta do Eminem pelo mesmo realismo. “ Os MC que falam do que se passa no dia-a-dia são os melhores. Como se fosse uma carta ao presidente, para mudar as coisas”.
Em Paris ergue casas enquanto canta. “Até utilizo o gravador do telemóvel para gravar o que canto. Quando chego a casa, meto no papel. Foi lá que compôs e montou “PV Zone”, com fotos, levadas daqui memórias dos amigos e do que partilharam, a que colou palavras suas.

Texto: Maria do Carmo Piçarra

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